sexta-feira, 9 de julho de 2010

Ilha da Trindade e Arquipélago Martin Vaz

Para se entender o surgimento da Ilha da Trindade e do Arquipélago de Martin Vaz no meio do Atlântico Sul ocidental, é necessário entender o movimento das placas tectônicas que formam a superfície terrestre. A crosta do planeta Terra é formada por várias placas e na junção dessas existem zonas de intenso movimento e vulcanismo. Por conta dessa dinâmica, ocorreu imensa fratura na placa sul-americana, que se estende de Vitória até cerca de mil quilômetros a leste do Arquipélago de Martin Vaz, chegando a alcançar o limite sul da Bacia do Cuanza, ao largo da costa africana, já no Atlântico Sul oriental.
Essa fratura no leito oceânico fez com que o magma extravasasse em escala colossal. Para se converter em ilha, precisou emitir magma numa razão de pelo menos cem quilômetros cúbicos.
1 – Extraído e modificado de: Ilha da Trindade e Arquipélago Martin Vaz, de João Luiz Gasparini.
por um milhão de anos. Foram necessários aproximadamente 10 milhões de anos para atingir a superfície do mar. Diversos pontos dessa fratura liberaram mais magma que outros. Com isso,imensas colunas foram galgando o fundo oceânico, rumo à superfície. O que encontramos hoje,defronte ao Estado do Espírito Santo, é uma grande cadeia de antigos vulcões submarinos extintos,submersos a poucas dezenas de metros da superfície do mar, denominada Cadeia Vitória-Trindade.
Alguns desses vulcões oceânicos são conhecidos como bancos pesqueiros, sendo muito procuradospor embarcações de pesca comercial. Da costa do Espírito Santo, mergulhando em direção àÁfrica, encontramos os bancos Vitória, Eclaireur, Montague, Jaseur, Davis, Dogaressa e Colúmbia.
As bases desses vulcões estão no leito oceânico, em profundidades abissais, entre 3 mil e 5,5 mil metros, e a cerca de 1,1 mil quilômetros da costa do Espírito Santo surgem os únicos pontos emersos dessa cadeia de vulcões: pequenos rochedos que formam o Arquipélago de Martin Vaz e a imponente Ilha da Trindade.
A atividade vulcânica em Trindade perdurou até cerca de 5 mil anos atrás e ocorreu na extremidade oriental da ilha, onde se formou uma cratera de mais de 200 metros de raio. Atualmente,resta apenas uma pequena parte do arco dessa cratera.
Pesquisas recentes dão conta que quatro vulcões formaram Trindade (Vulcão do Vaiado,
Vulcão do Desejado, Vulcão do Morro Vermelho e Vulcão do Paredão). Trindade é hoje uma sucessão de colunas e paredes de um imenso edifício vulcânico em ruínas, com uma beleza cênica singular, ao mesmo tempo agressiva e agradável.

TRINDADE: COBIÇADA DESDE O INÍCIO DAS GRANDES NAVEGAÇÕES

A história humana na ilha começou juntamente com o início das grandes navegações
e seu descobrimento é, até hoje, motivo de dúvida. Alguns historiadores creditam o descobrimento de Trindade ao navegador espanhol João da Nova, que viajava a serviço de Portugal e teria descoberto Trindade em março de 1501. Contudo, outros historiadores afi rmam que o português Estêvão da Gama, durante a segunda viagem de Vasco da Gama às Índias, teria descoberto Trindade em 1502. Nessa ocasião, a ilha foi batizada de Ilha da Santíssima Trindade.
Quase dois séculos depois, durante uma expedição para realizar medições magnéticas no
Atlântico para o governo inglês, a bordo do navio H. M. S. Paramore, o famoso astrônomo inglês Edmund Halley – o mesmo do cometa – teria tomado a ilha, desconsiderando a posse de Portugal.
Naquele momento, em abril de 1700, como prática usual entre os navegadores da época, foram soltos diversos animais na ilha, entre esses várias cabras e porcos, para servir de alimento a possíveis náufragos ou aos ingleses que fossem iniciar a ocupação britânica, num futuro próximo. Mais tarde, aquele simples ato desencadearia drásticas alterações na fl ora da ilha, com conseqüências extremas na perda de solo e na descaracterização geral da cobertura vegetal.
Oitenta e um anos após a visita de Edmund Halley, a Inglaterra ocupou a ilha com tropas militares. Sabendo da ocupação, Portugal protestou em Londres. Enquanto o assunto tramitava lentamente nos meios diplomáticos, em 1783, o vice-rei do Brasil, Luís de Vasconcelos, enviou 150 pessoas, entre militares e civis, para a ilha, a bordo da nau Nossa Senhora dos Prazeres, sob o comando do Capitão José de Mello Brayner, para de lá expulsar os ingleses.
Porém, quando os militares portugueses chegaram,os ingleses já haviam deixado Trindade.
Depois da retirada inglesa, Portugal resolveu colonizar a ilha, deixando militares e seis casais de açorianos no local. Municiados de sementes e animais, os açorianos promoveram a derrubada do restante da vegetação arbórea da ilha, que havia resistido à voracidade do rebanho de cabras, para dar lugar aos platôs agricultáveis.
A madeira extraída da Colubrina glandulosa, árvore confundida com o pau-brasil, era muito apreciada para confecção de móveis, graças à sua resistência e belíssima cor avermelhada.
Contudo, o isolamento, somado ao insucesso no plantio de milho e ao esgotamento do
extrativismo da madeira, levou Portugal a retirar os açorianos da ilha, que passou a fi car ocupada somente por militares. Tal ocupação perdurou até 1795, quando o novo vice-rei, o Conde de Resende, determinou a desocupação da ilha, que voltou a fi car abandonada.
Entre 1822 e 1889, a Ilha da Trindade foi dominada por comerciantes de escravos e
piratas. Esse fato originou a lenda de que foi enterrado, em algum local da ilha, um grande tesouro, desde o século XVII, por piratas ingleses que teriam interceptado um galeão espanhol com muito ouro e prata roubados da Catedral de Lima, após a independência do Peru. Foram realizadas aproximadamente 12 expedições em busca desse tesouro, incluindo a de E. F. Knight, em 1885, que empreendeu esforços após receber, de um suposto pirata sobrevivente, um mapa com a localização do tesouro.
Em 1895, a Inglaterra voltou a ocupar Trindade, incorporando-a a seu vasto território de possessões.
Depois de uma batalha diplomática, os ingleses resolveram recuar e, em agosto de 1896retiraram os sinais de sua presença. No ano seguinte, o cruzador brasileiro Benjamin Constant dirigiu-se à ilha para promover uma nova tomada de posse. Na ocasião, foi construído um marco na encosta do morro Pão de Açúcar, com duas placas Comemorativas, que hoje não mais existem.
Anos mais tarde, em 1911, foi instalado um marco de granito na Praia do Andrada, para
afi rmar a posse brasileira sobre Trindade. Ainda hoje, já desgastado pelo tempo, sol e maresia, ele continua de pé num platô vulcânico acima da Praia do Andrada.
Durante a Primeira Guerra Mundial, a ilha serviu de base para guarnições militares e, logo após o término dos confl itos, foi novamente abandonada. Entre os anos de 1924 e 1926, o presidente Artur Bernardes transformou Trindade em presídio político. Estiveram presos na ilha, o patrono da Força Aérea Brasileira, marechal-do-ar Eduardo Gomes, o general Sarmento, o capitão Juarez Távora e o tenente Magessi, entre outros militares insubordinados.
Defl agrada a Segunda Guerra Mundial, a Marinha do Brasil voltou a ocupar Trindade devido a sua privilegiada localização estratégica no Atlântico Sul. A ocupação da Marinha durou até 13 de junho de 1945. Em 1950, a ilha foi visitada por uma importante expedição científi ca, sob a orientação do ministro João Alberto, com a fi nalidade de planejar a colonização e a construção de uma base aeronaval. Nessa época, o ministro levou consigo uma equipe de notáveis para, também, realizar estudos diversos na ilha.
Finalmente, em 29 de maio de 1957, a bordo dos navios Almirante Saldanha e Imperial
Marinheiro, foi dado início à criação do Posto Oceanográfi co da Ilha da Trindade (POIT), como parte do programa de participação do Brasil no Ano Geofísico Internacional. Desde então, a ilha permanece guarnecida pela Marinha do Brasil, que ali mantém um contingente de aproximadamente 40 homens, que se revesam a cada quatro meses.

O CLIMA DAS ILHAS

O clima de Trindade e de Martin Vaz é oceânico tropical, amenizado pelos ventos alísios do Leste e do Sudeste. A temperatura média anual é de 25°C, sendo fevereiro o mês mais quente do ano e setembro, o mais frio. Quase todos os dias, Principalmente no verão, ocorrem chuvas rápidas, que recebem o nome de pirajás. Entre os meses de abril e outubro, a ilha sofre invasões periódicas de frentes frias. São geralmente as mesmas frentes frias vindas da Antártica que sobem pela Argentina e pelo Sul do Brasil. Quando chegam à Região Sudeste, desviam para o oceano e alcançam Trindade, provocando mudanças abruptas nas condições do mar.
A alta freqüência de chuvas se deve à altura de Trindade. Como seu pico sobe 600 metros acima do nível do mar, forma um imenso obstáculo para as nuvens carregadas, que precipitam sua carga após chocarem-se com essa enorme muralha. Essas chuvas mantêm três grandes fontes de água potável na ilha: uma na Enseada da Cachoeira, a mais abundante, outra na Praia do Príncipe e a terceira na Enseada dos Portugueses, a utilizada pela população da ilha.
As águas que circundam Trindade e Martin Vaz pertencem à Corrente do Brasil e são
caracterizadas pela alta salinidade, pela temperatura tépida (27°C) e por alcançar transparência de até 50 metros, o que possibilita mergulhos fantásticos.

A FLORESTA NEBULAR DE SAMAMBAIAS-GIGANTES

A imponência da ilha e seu isolamento geográfi co lhe conferem ar de paraíso intocado, que acaba por encobrir o grave problema de degradação ambiental de séculos de impactos causados pelo homem. Após anos de extrativismo vegetal intenso, tentativas fracassadas de cultivo e séculos de ataque impiedoso do rebanho caprino, a fl ora de Trindade mudou drasticamente e, com ela, o solo. Há relatos históricos que contam da exuberante fl oresta que, por volta de 1700, cobria quase 80% de toda sua área. Em 1965, essa cobertura vegetal já havia sido reduzida a aproximadamente 20% da área da ilha e, atualmente, não chega a cobrir 10%.
A vegetação de Trindade é pobre em número de espécies. Pesquisas recentes estimaram uma riqueza de aproximadamente 120 espécies, incluindo aquelas trazidas pelos homens e as cultivadas na horta da Marinha. Esse número é muito modesto se comparado, por exemplo, com um pequeno trecho de Mata Atlântica de encosta do município de Santa Teresa, região montanhosa do Espírito Santo, que detém 443 espécies arbóreas em apenas um hectare. Porém, o que impressiona em Trindade não é a diversidade e sim o número de espécies endêmicas, ou seja, únicas e exclusivas da ilha. Em Trindade, o endemismo da fl ora é de aproximadamente 10%, o que enquadra a ilha entre as áreas prioritárias para conservação.

O ISOLAMENTO GEOGRÁFICO CRIOU UM PARAÍSO

A fauna, assim como a fl ora de Trindade, desperta interesse extremo nos pesquisadores, pois o isolamento geográfi co propiciou a evolução de espécies únicas, endêmicas desse pequeno ponto emerso no meio do Atlântico.
Os crustáceos Algumas espécies de crustáceos habitam os recifes e as praias de Trindade, entre elas lagostas e caranguejos. Na zona entremarés, destacam-se o caranguejo-da-arrebentação (Plagusia depressa) e o aratu-vermelho (Grapsus grapsus). Já em terra, o “dono da ilha” é o caranguejo-amarelo ou carango (Gecarcinus lagostoma). Essa espécie ainda é muito comum em Trindade e Martin Vaz, apesar da crescente captura para consumo humano entre o pessoal da guarnição militar e os visitantes de Trindade. O carango vive desde a zona entremarés até o Pico
do Desejado e se alimenta de enorme gama de itens, de folhas de amendoeiras ou castanheiras a ovos e fi lhotes das tartarugas-verdes.
Os peixes Em pesquisas recentes, foram levantadas aproximadamente 100 espécies de peixes nos recifes de Trindade. Tal resultado é discreto, quando comparado com a fauna de peixes encontrada nas ilhas de Guarapari, litoral Sul do Espírito Santo – a área recifal mais rica em número de espécies do Brasil – que abriga mais de 300 espécies em seus recifes, ou seja, três vezes mais espécies que Trindade. A baixa riqueza de espécies, também encontrada em outras ilhas tropicais isoladas do Atlântico, é explicada pela restrição na disponibilidade de ambientes e grau de isolamento. O tamanho de uma ilha está diretamente ligado à disponibilidade
de espaço sufi ciente para uma população residente, de qualquer ser vivo, continuar a existir ou não. A variedade de microambientes também pode afetar a riqueza de espécies num recife isolado. A reduzida disponibilidade de ambientes contribui substancialmente para o tamanho pequeno da fauna de peixes e de outros seres vivos em Trindade e Martin Vaz.
A riqueza de espécies é baixa, porém a abundância de algumas formas é surpreendente.
Um exemplo claro disso são os cardumes colossais de sardinha (Harengula sp) e purfa
(Melichthys niger) que fazem fervilhar as águas que circundam a ilha. Outro fato que chama a atenção é o alto índice de espécies únicas de Trindade e de Martin Vaz. Das aproximadamente 100 espécies de peixes levantadas, seis são endêmicas dos recifes que circundam essas ilhas. Dois exemplos recentemente descritos são o peixe-donzela de Trindade (Stegastes trindadensis) e a maria-da-toca ou moréia-de-Trindade (Scartella poiti). Entomacrodus sp, Eiacatinus sp e Malacoctenus sp são outras três espécies endêmicas, ainda em processo de descrição científica.

As tartarugas-marinhas

Três espécies de tartarugas-marinhas vivem nos recifes ou ao largo de Trindade e de
Martin Vaz. A tartaruga-gigante ou tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea) habita o mar aberto ao largo das ilhas ao longo da cadeia Vitória-Trindade. Além ser a maior espécie de tartaruga-marinha, também é a mais ameaçada de extinção, pois vem sofrendo declínio populacional, devido ao aumento da poluição dos mares e à captura acidental em espinhel oceânico.
Outra tartaruga-marinha que freqüenta as águas de Trindade e de Martin Vaz é a tartarugade-pente (Eretmochelys imbricata), que faz dos recifes dessas ilhas, bem como dos bancos oceânicos da cadeia Vitória-Trindade, um de seus sítios de alimentação prediletos em águas brasileiras. Essa espécie de tartaruga se alimenta de esponjas.
A última espécie é a tartaruga-verde (Chelonia mydas), que tem em Trindade seu maior
sítio reprodutivo do Atlântico Sul e um dos maiores do mundo. As fêmeas de tartaruga-verde, medindo em média 1,20 m de comprimento e pesando cerca de 250 quilos, freqüentam as praias de Trindade durante a estação reprodutiva, que se prolonga de outubro a maio. Cada fêmea põe em média de 130 a 150 ovos. No total, milhares de ovos são enterrados nas areias, mas por causa da forte depredação por inúmeros animais, como caranguejos, fragatas, polvos e peixes, algumas poucas tartaruguinhas conseguem chegar à fase adulta e reiniciar o ciclo de reprodução em Trindade.
O senso de orientação das tartarugas é impressionante. Tartarugas-verdes nascidas em Trindade migram para a costa do Brasil, onde se alimentam de algas. Quando atingem
a idade adulta, entre 20 e 25 anos, dispersam-se na imensidão dos mares.
Porém, na época reprodutiva, sabem exatamente o momento e o local para – acasalar e colocar seus ovos. Nesse instante, as tartarugas-verdes viajam longas distâncias e retornam às ilhas oceânicas onde nasceram para recomeçar um novo ciclo de descendentes.

As aves marinhas

As ilhas, de uma forma geral, representam um porto seguro para as aves marinhas. Mesmo aquelas espécies estritamente oceânicas necessitam de um local em terra fi rme para construir seus ninhos e criar seus fi lhotes. Trindade e Martin Vaz não são exceções e abrigam cerca de 20 espécies de aves marinhas, migratórias ou residentes, nos seus céus e penhascos.
Os atobás (Sula dactylatra e Sula sula), as viuvinhas-marrom ou grazinas (Anaus stolidus e Anaus tenuirostris), as noivinhas ou fantasminhas (Gygis alba), os trinta-réis (Sterna fuscata),as fragatas (Fregata minor e Fragata ariel) e as pardelas
ou petréis-de-Trindade (Pterodroma arminjaniana)são algumas das mais conhecidas.
Apesar de alguns pesquisadores creditarem a ocorrência do petrel-de-Trindade também para a Ilha Round, situada no Oceano Índico meridional, é bastante plausível que ele seja endêmico de Trindade.
Aves possuem grande capacidade de dispersão, porém a distribuição geográfica proposta é muito disjunta, o que leva a crer que essas sejam duas formas distintas
e ainda pouco estudadas de petrel.

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