domingo, 18 de abril de 2010

Construção Naval

BREVE HISTÓRICO

A indústria da construção naval no Brasil remonta aos tempos coloniais. Os portugueses, na época da descoberta do Brasil, eram grandes construtores navais e logo perceberam as vantagens de construir navios aqui, aproveitando a abundância e a excelência das madeiras, assim como a mão-de-obra indígena.
Muitos estaleiros foram fundados em vários pontos do nosso litoral, porém o que continuou como o mais importante até meados do século XIX foi o Arsenal de Marinha da Bahia, em Salvador, fundado por Thomé de Souza, que construiu dezenas de navios, inclusive grandes naus, que eram os maiores navios de guerra do seu tempo. Em 1763, surgiu o Arsenal Real da Marinha, no Rio de Janeiro, fundado por D. Antônio Álvares da Cunha. A primeira construção foi a nau S. Sebastião, lançada ao mar em 1767. Esse estaleiro passou a ter como atividade principal o reparo e a manutenção dos navios da esquadra real e dos navios que aportavam no Rio de Janeiro.
Em 7 de setembro de 1822, com a Independência do Brasil, tornou-se imperiosa a constituição de uma esquadra para manter a unidade nacional, sendo preciso reparar os navios existentes e construir outros. Nessa época, o estaleiro passou a ser conhecido, ofi cialmente, por Arsenal da Marinha da Corte e teve ampliadas e modernizadas suas instalações, com a implantação de novas ofi cinas, a prontifi cação do primeiro dique e a vinda dos primeiros brasileiros com curso
formal de engenharia naval realizado na Europa. Assim, chegou a atingir adiantamento técnico comparável ao que havia nos centros mais avançados da Europa. Entretanto, no fi nal do século XIX, teve início um período de estagnação da construção naval brasileira; com isso seguiram-se anos de decadência e quase total paralisação do Arsenal até meados do século XX.
Em 1930, tendo seu nome alterado para Arsenal de Marinha da Ilha das Cobras (atual Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro) foi retomada a construção naval no Brasil, com o lançamento ao mar do Monitor Fluvial Parnaíba. Seguiu-se a construção dos três grandes contra-torpedeiros da classe Marcílio Dias, navios de estrutura soldada que representaram grande progresso tecnológico.
Depois, foram construídos, entre outros, os navios hidrográfi cos, no fi nal da década de 1950, que tiveram como novidade a superestrutura de alumínio.
A partir de 1958, com a criação do Fundo da Marinha Mercante (FMM), cuja principal
fonte de fi nanciamento é a cobrança da Taxa de Renovação da Marinha Mercante, foram
reformuladas as políticas do setor, e deu-se o renascimento da construção naval mercante no Brasil. O progresso foi contínuo e notável até 1979, com a construção de um número cada vez maior de navios, não só de maior porte, como mais diversifi cados e mais sofisticados, chegando-se afinal, em 1986, aos graneleiros Docefjord e Tijuca, dois gigantes de 305 mil toneladas, com 332 metros de comprimento, que foram, na ocasião, recorde mundial, em tonelagem, para navios de sua classe.
Infelizmente, em 1986 teve início uma grave crise em nossa indústria de construção naval, que persiste até hoje, gerando grande massa de desempregados com o fechamento de muitos estaleiros. Atualmente, com a edição da recente Lei nº 10.893, de 13 de julho de 2004, que dispõe sobre o Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) e o FMM, buscou-se atender aos encargos da União no apoio ao desenvolvimento da marinha mercante e da indústria de construção e reparação naval brasileiras.

ATUAL CONJUNTURA DA CONSTRUÇÃO NAVAL NO BRASIL

Conceitos iniciais
Alguns conceitos são considerados dignos de nota para maior clareza do assunto. O
mais importante deles é o conceito de cadeia produtiva da construção naval, do qual emanam conceitos derivados como os de produto, ambiente e mercado. A figura a seguir apresenta, na forma de fluxograma, a composição dessa cadeia, onde cinco atores se interrelacionam de tal forma que qualquer análise não pode abordar um deles, isoladamente, sob pena de não ser abrangente do ponto de vista de causas e efeitos. Estes atores são:
o mercado gerador de demanda; os armadores, interpretadores dessa demanda e encomendadores do produto; o agente financiador;
os estaleiros e a indústria de navipeças.
Estes dois últimos são os responsáveis pela fabricação do produto que, no caso, é o
meio naval.
O desempenho dessa cadeia produtiva, como de qualquer sistema, depende tanto de características intrísecas quanto exógenas. Da avaliação dessas características vislumbram-se as conseqüências quando integradas num cenário abrangente. Essas conseqüências podem ser reunidas em três grupos com características bem definidas:
• difi culdade de venda de navios novos;
• existência de riscos fi nanceiros;
• impactos a longo prazo na cadeia produtiva.
A difi culdade de venda de navios novos decorre de forte concorrência nos aspectos inerentes a características técnicas, classifi cação, especifi cação, prazos de entrega, organização financeira, garantias e arbitragens, em caso de litígios. Os riscos fi nanceiros estão associados a fatores que afetam o desenrolar dos contratos como: preços fechados, não revisáveis, com alta infl uência das variações de câmbio; preço dos navios sem vínculo com o porte financeiro dos estaleiros; discrepância entre preços de mercado e custos e penalidades elevadas para atrasos ou dificuldades técnicas. Os impactos de longo prazo se refl etem na redução do número de estaleiros, gerando concentração de empresas, aparecimento de nichos especializados
por volume de ofertas, por tipos de navios ou por tecnologias e aparecimento de órgãos reguladores no âmbito de espaços econômicos signifi cativos.
Na tentativa de melhor entender as complexidades da conjuntura da construção naval no País, devem ser considerados dois cenários: o civil e o militar.

Construção Naval Civil

Os contornos atuais de construção naval civil somente foram traçados a partir de 1958
com o plano de metas do presidente JK, que permitiu grande crescimento do setor nos anos seguintes, com o apogeu entre 1970 e 1975. O quadro de crise se confi gurou em meados de 1980, com a queda do nível de encomendas dos armadores nacionais. O ano de 2000 é considerado o marco da retomada da produção por meio das encomendas da Petrobras, que incluem plataformas e montagem de módulos. Essas encomendas atraíram investidores de Singapura, que arrendaram estaleiros no Rio de Janeiro. Uma nova expansão ocorreu por demanda da Petrobras, que lançou em 2001 o programa de substituição da frota de navios de apoio off-shore (embarcação especialmente construída para apoio a mergulhos em todas as profundidades e operação de robôs de trabalho e inspeção), impondo a construção em estaleiros nacionais, ou seja, uma reserva de mercado.
Existe a percepção de uma estratégia para o desenvolvimento estruturada em três pilares:
• contratos da indústria off-shore;
• expansão de encomendas de petroleiros e navios para cabotagem;
• substituição de porta-contêineres de bandeira estrangeira, por navios de bandeira nacional, aqui construídos.
A indústria de navipeças, como elo da cadeia
produtiva, estava desmantelada, tendo sobrevivido apenas algumas poucas empresas.
Na armação, a internacionalização patrimonial foi praticamente completa. Como
exemplo, no setor de carga geral, a maior empresa brasileira é 5 vezes menor que sua
concorrente chilena ou 25 vezes menor que a empresa líder mundial. As estatísticas relativas ao comércio exterior apontam o fato de que o Brasil perde, atualmente, ou deixa de ganhar, como se queira interpretar, cerca de 7 bilhões de dólares americanos em divisas, devido aos fretes marítimos realizados por navios de bandeira estrangeira, e tal fato é atribuído ao atual estado de desmantelamento da frota mercante nacional.
Mesmo se fosse possível constituir uma frota mercante rapidamente, ela não teria seus
navios afretados pelo mercado, por falta de competitividade no preço, e o principal fator apontado pelos armadores como causador dessa baixa competitividade seria o chamado custo Brasil, representado por encargos e respectivas alíquotas incidentes sobre o transporte marítimo no País. Isso ainda ocorre hoje, apesar de a Lei n.º 9.432/97 estabelecer a abertura do capital das empresas brasileiras de navegação, sem qualquer restrição. Essa lei instituiu um instrumento considerado inovador, o Registro Especial Brasileiro para embarcações de bandeira brasileira, possibilitando a redução da carga fi scal sobre a atividade.
Uma comparação entre os custos médios de operação das empresas de navegação nacionais
e a média internacional demonstra que em todos os cinco principais parâmetros (tripulação, materiais, manutenção e reparo, seguro e administração) nossos custos são maiores.
Por fim, observando-se o cenário da construção naval no mundo, com relação aos
países que se destacam, constatam-se as ausências das seguintes características na
construção naval civil no Brasil:
• inserção, de fato, nos objetivos estratégicos de governo;
• fi nanciamentos atuantes, para estimular a construção naval;
• indústria de navipeças atuante e articulada;
• projetos de engenharia nacionalizados;
• frota mercante representativa;
• frete competitivo no País;
• estratégicas básicas de competição para a indústria naval, defi nidas em função das duas correntes atuais para o transporte marítimo, isto é, opção entre a produção por volume ou por nichos tecnológicos;
• quadro de armadores com o patrimônio nacionalizado.

Construção Naval Militar

O passado recente da construção naval militar no Brasil tem apontado um desenvolvimento modesto, com surtos de construção, sem estratégia definida para engajamento dos estaleiros privados mas, apesar disso, considerando as condições, os resultados são bons,vistas as construções das fragatas da classe Niterói, das corvetas da classe Inhaúma e dos submarinos da classe Tupi. Em 1981, empregando um projeto nacional derivado das Fragatas, foi possível construir o moderno navio-escola Brasil (lançado ao mar em setembro de 1983 e prontificado em março de 1987), que anualmente efetua Viagem de Instrução ao redor do mundo com as turmas de Guardas-Marinha.
Não será fácil o País voltar a ser um competidor importante na construção naval. Por ser muito difícil termos fretes competitivos, surge a dúvida se, de fato, a perda de cerca de 7 bilhões de dólares americanos em divisas, com fretes transportados
por bandeira estrangeira, seria eliminada simplesmente pela criação,
às expensas da União, de uma frota que, não sendo capaz de competir, fi caria com
seus navios imobilizados. Nesse caso, o problema poderia ser resolvido, se por estratégia nacional a União subsidiasse os fretes.
Como os investimentos necessários para reduzir paulatinamente as perdas de divisas seriam de grande valor e perdurariam por longo horizonte temporal, muito provavelmente superior à duração de um mandato, certamente afetariam interesses político-partidários, situação que poderia torná-los de difícil aplicação na construção naval brasileira.
Entretanto, visualiza-se que o País terá condições básicas para recuperação e auto-sustentação da indústria local, apenas com a demanda da Petrobras, se mantido o comprometimento de nacionalização e auto-sufi ciência, dependendo, portanto, de política governamental.
Com relação à construção naval militar, a conclusão é mais fácil ainda de ser atingida, pois existe uma regra simples, dos pontos de vista comercial, estratégico, econômico e militar. Do ponto de vista comercial, mesmo que seja uma opinião corrente de que este não é enfoque de interesse da Marinha do Brasil (MB), não podemos esquecer de que ele está intimamente vinculado a estratégia, pois promove a indústria naval militar do País, o que é visão bem clara do “grupo dos que vendem”.
Sob esse enfoque, a regra simples é: quem não constrói para si mesmo, não vende. A regra é clara e auto-explicativa,
pois quando um país dispõe de uma marinha que possui os meios navais sem construí-los, faz parte do desconfortável
grupo dos que apenas os compram, antípoda do grupo dos que os vendem (o mundo dividido entre os que compram e os que vendem é uma visão do ponto de vista comercial), e acredita-se que seria melhor, pelo menos, estar no grupo dos que não compram, sem estar necessariamente no dos que vendem, isto é, dos que tem autosufi
ciência e independência tecnológica e militar, sem mencionar a de natureza econômica.
E ainda mais, quem apenas constrói, mas não projeta, também tem pouquíssima chance
de vender, não somente por prescindir da aquiescência do detentor do projeto para comerciar o produto que nasceu de sua concepção, mesmo que pagando royalties, como também pela dificuldade de convencer o cliente de que é detentor da tecnologia e qualidade na construção,sem tê-las no projeto, pois as duas atividades estão intimamente vinculadas, como se observa com os tradicionais vendedores mundiais.
Dos pontos de vista estratégico, militar e tecnológico, os três muito interligados, não construir significa dependência e impossibilidade de obter os meios plenamente de acordo com os requisitos impostos pelas vulnerabilidades do País; dos pontos de vista econômico e social, é perder divisas sem gerar empregos e deixar de estimular a indústria nacional.
Se ao fato de não construir, acrescermos a prática do não projetar, esta última vacuidade acrescentará à primeira uma inevitável condição para que a Marinha do Brasil continue a estar em estágio de relativa subordinação técnica, intelectual e econômica, pois nada inova por si própria e pouco nacionaliza, condenando-se à dependência logística, não podendo especificar e nem executar tão bem a manutenção, pela inexistência da retaguarda técnica de quem projeta e seleciona os equipamentos, não praticando assim o que se faz nas marinhas mais avançadas.

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