O arquipélago de Fernando de Noronha está situado no Atlântico Sul-Equatorial, na posição de 03º50’S e 032º25’W, e a aproximadamente 345 km da costa Nordeste do Brasil. Os processos de formação desse arquipélago também estão associados à teoria da deriva continental, onde a instabilidade da crosta terrestre possibilitou o extravasamento do magma através de uma fratura, que ao longo do tempo geológico, por ascensão vertical, originou o arquipélago. A montanha que deu origem ao arquipélago está alinhada aos montes vulcânicos submarinos que compõem a Cadeia de Fernando de Noronha, orientada no sentido leste-oeste.
O Atol das Rocas também faz parte dessa cadeia de montanhas. Todo o arquipélago está
sobre um monte submarino cônico, com cerca de 60 km de diâmetro, tendo sua base apoiada no assoalho oceânico a 4 mil metros de profundidade. Ao longo do tempo geológico, as rochas sofreram intemperismo e formaram uma plataforma de erosão com cerca de 3 a 4 quilômetros de largura e até 100 metros de profundidade.
A principal ilha do arquipélago, denominada Fernando de Noronha, possui cerca de 16,4 km2, que representam 91% da área emersa do arquipélago. Outras 20 ilhotas fazem parte dele. O relevo apresenta planícies, planaltos e altos topográfi cos íngremes, como o Morro do Pico, com 323 m.
OCUPAÇÃO HUMANA NO ARQUIPÉLAGO
Em 1503, o navegador Américo Vespúcio ofi cialmente relatou a descoberta do arquipélago, quando um dos navios da expedição, comandada por Gonçalo Coelho, naufragou após bater nos recifes.
Os náufragos habitaram a ilha principal por dois anos, até ser resgatados. Curiosamente, esse episódio também foi o primeiro naufrágio da história do Brasil. No ano de 1504, o fi dalgo português Fernão de Noronha recebeu da coroa portuguesa o arquipélago como uma Capitania Hereditária. Embora aquele capitão nunca tenha visitado o local, o nome do arquipélago e da ilha principal tiveram origem em seu nome.
Após a descoberta, ocorreram sucessivas tentativas de ocupação por holandeses, em 1612 e 1635-1654, e franceses, em 1736, que logo foram expulsos pelos portugueses. Em 1736, os portugueses retomaram o controle da ilha e, no ano seguinte, iniciou-se sua colonização. A vila e a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios foram as primeiras edifi cações construídas pelos portugueses nesse período. Também foram construídas 10 fortifi cações para proteção do arquipélago.
Nas décadas que se seguiram, a ilha também foi utilizada como colônia correcional.
O arquipélago foi visitado por vários naturalistas e pesquisadores. Entre esses, Charles Darwin, que, no ano de 1832, a bordo do navio Beagle, fez uma descrição do arquipélago e posteriormente divulgou suas observações sobre a geologia, petrografi a (estudo descritivo e sistemático das rochas), natureza vulcânica, fauna e fl ora da ilha principal. Outra importante expedição foi realizada em 1873, pelo navio HMS Challenger, que realizou coletas no arquipélago.
Em 1988, foi criado o Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, reintegrando o
arquipélago ao Estado de Pernambuco, que se tornou Distrito Estadual. Recentemente, no ano 2002, o arquipélago foi tombado pela UNESCO, como Sítio do Patrimônio Mundial Natural.
O CLIMA DAS ILHAS
Devido à privilegiada localização do arquipélago, o clima reinante é o tropical oceânico, onde as brisas marinhas atenuam o calor excessivo. A temperatura média anual é de 27°C e pouco varia entre o dia e a noite. Em Fernando de Noronha existem apenas duas estações defi nidas:
uma seca, de agosto a fevereiro, e uma úmida, de março a julho. No período úmido ocorre o aparecimento de vários córregos temporários, que desaparecem após o período de chuvas. A ilha não possui nascentes, mas a Lagoa da Viração (água doce), localizada na região entre a Praia do Leão e a Ponta da Sapata, nunca seca.
No mês de agosto, ventos sopram forte na ilha, e em setembro a vegetação da ilha
fi ca seca, devido à escassez de chuvas. O mês de outubro apresenta os menores níveis
de precipitação. A temperatura média do mar pouco varia ao longo do ano e
fi ca em torno de 24°C. A distância do continente, associada à ausência de rios, possibilita que a visibilidade da água chegue a 50 metros de profundidade.
VEGETAÇÃO TERRESTRE
A vegetação do arquipélago se assemelha à vegetação do agreste do sertão nordestino, devido à predominância de arbustos espinhosos, cactos, vegetação rasteira e árvores que perdem as folhas durante o período seco. Entre as espécies vegetais, as gameleiras (Ficus noronhae), que são endêmicas da ilha, destacam-se pelo tamanho imponente e pela beleza. Também encontramos outras espécies como a burra-leiteira (Sapium sceleratum) em uma pequena área com vegetação de mangue, localizada na Baía do Sueste.
Durante o processo de ocupação da ilha, grande parte da vegetação original foi destruída ou substituída. Assim, várias espécies vegetais foram introduzidas para alimentação humana ou de rebanhos. Podem-se encontrar árvores frutíferas
como mangas, cajás, carambolas, mamão e fruta-de-conde. Mesmo com a introdução de
espécies, a diversidade de vegetais na ilha é pequena, quando comparada às áreas costeiras.
Um fato preocupante é a elevada taxa de expansão de uma espécie forrageira, a leucena, introduzida para alimentação de rebanhos.
Atualmente, essa vegetação ocupa quase 80% da ilha de Fernando de Noronha. Essa espécie arbórea possui copa densa, que limita a passagem de luz, impedindo o crescimento de outras espécies vegetais.
Para muitas espécies com baixa capacidade de dispersão, a imensa e profunda massa de água oceânica, que separa o arquipélago de Fernando de Noronha do continente americano, é uma barreira geográfi ca quase intransponível. Por isso, ao longo do tempo geológico, a evolução propiciou o aparecimento de espécies endêmicas.
Os crustáceos Compondo a fauna do arquipélago, encontramos algumas espécies de camarões, lagostas e caranguejos. Camarões e lagostas são freqüentemente encontrados escondidos em tocas e são mais ativos durante o período noturno. Já nas rochas da zona do entremarés encontram-se freqüentemente o aratu ou aratu-vermelho (Grapsus grapsus). Porém, nas partes mais centrais da ilha, o caranguejo-amarelo ou carango (Gecarcinus lagostoma) pode ser encontrado em baixa densidade. Sua ocorrência no Brasil está restrita às ilhas oceânicas de Trindade, Fernando de Noronha e Rocas.
Os peixes Como explicado anteriormente, a baixa disponibilidade de ambientes e o grau de isolamento geográfi co de Noronha fazem com que o número de espécies de peixes seja pequeno, quando comparado com áreas costeiras. De toda forma, há espécies endêmicas entre a fauna do arquipélago, como o Stegates rocasenis, o Dactyloscopus e o Gramma brasilienses.
Pesquisas recentes mostram curiosas interações entre os peixes do arquipélago.
Um exemplo é o guarajuba (Coranx bartholomaei), que segue a arraia-prego (Dasyatis
americana) e aproveita, quando a arraia movimenta o sedimento, para se alimentar de moluscos e caranguejos e capturar eventuais invertebrados e peixes que sejam descobertos por ela. O mesmo ocorre com o peixe-papagaio (Sparisoma amplum), freqüentemente seguido pelos budiões-de-noronha (Thalassoma noronhanum), que se aproveitam das sobras de alimento. Já o tubarão cabeça-de-cesto (Carcharhinus perezi) tem os parasitas removidos de seu corpo pelo pequenino góbios-neon (Elacatinus randalli). Esse peixe é um especialista na área de limpeza e também presta seus serviços a outras espécies, como o catuá (Cephalopholis fulva) e a assustadora, porém pacifi ca, moréia-verde (Gymnothorax funebris).
O ótimo estado de conservação da parte marinha das ilhas, que estão protegidas da pesca predatória, proporciona a descoberta e o entendimento das interações entre os organismos. Essas informações serão fundamentais para a implementação de novas medidas de conservação no ambiente marinho, que ainda hoje são muito pouco conhecidas.
As tartarugas-marinhas
Entre as cinco espécies de tartarugas-marinhas que ocorrem em águas brasileiras, apenas a tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata) e a tartaruga-verde, ou aruanã (Chelonia mydas) estão presentes no arquipélago de Fernando de Noronha. A tartaruga-de-pente, que se alimenta de esponjas, foi intensamente caçada no Brasil devido a seu casco, que era usado na fabricação pentes, armações de óculos e fi velas. Já a tartaruga-verde, que se alimenta prioritariamente de algas, era caçada devido a sua carne, comumente utilizada na alimentação de muitas comunidades tradicionais costeiras.
A tartaruga-de-pente usa o arquipélago apenas para alimentação. A tartaruga-verde utiliza as praias da ilha para desova durante o período que vai de janeiro a junho. Durante a noite, a fêmea dessa espécie sobe à praia e escava um buraco, onde são depositados, em média, 120 ovos. Depois, o ninho é cuidadosamente fechado e a tartaruga retorna ao mar. Cada fêmea pode repetir esse processo cerca de 4 vezes por temporada reprodutiva. O tempo de incubação dos ovos é de aproximadamente 55 dias. Após nascerem, os fi lhotes cavam até a superfície e, durante a noite, vão em direção ao mar, onde passarão o resto de suas vidas.
Um fato curioso é a relação entre a tartaruga-verde e algumas espécies de peixe, como o sargentinho (Abudefduf saxatilis) e o cirurgião (Acanthurus chirurgus e A. coeruleus), que se alimentam das algas presas ao casco das tartarugas. Portanto, há benefício para as tartarugas, pois as algas prejudicam sua movimentação, e para os peixes, que têm uma fonte alternativa de alimento.
As aves marinhas
Várias espécies de aves marinhas são encontradas em Noronha, onde obtêm alimento e se
reproduzem. Algumas espécies são migratórias e usam a ilha para alimentar-se e descansar durante sua jornada. Um exemplo é o pequenino maçarico vira-pedra Arernaria interpress), que é freqüentemente encontrado nas praias, próximo ao mar, alimentando-se de pequenos crustáceos, moluscos e insetos. Também existem aves que nidifi cam na ilha, como o mumbebo-de-patas-vermelhas (Sula sula) e o mumbebo marrom (Sula leucogaster). A fragata ou catraia (Fregata magnifi cens), também encontrada em toda a costa brasileira, encanta pela grande envergadura de suas asas – até 2 m –, o que lhe possibilita planar por longos períodos e percorrer grandes distâncias. Essa ave se aproveita de seu tamanho e freqüentemente é avistada batendo nos mumbebos, para roubar seu alimento.
O arquipélago de Fernando de Noronha possui grande importância para a avifauna, pois é área de reprodução, nidifi cação e alimentação, além de ser ponto de parada para aves migratórias.
Golfinhos rotadores
No arquipélago de Fernando de Noronha também encontramos os golfi nhos rotadores
(Stenella longirostris), que foram chamados dessa forma devido aos saltos executados, girando sobre seu próprio eixo. Esses golfi nhos podem ser facilmente avistados durante o dia na Baía dos Golfi nhos e na Enseada do Carreiro de Pedra.
Outra relação curiosa ocorre entre os golfinhos e doze espécies de peixes, que se alimentam das fezes e dos vômitos dos golfinhos. A principal espécie de peixe associada a esse comportamento é a purfa (Melichthys niger) e os golfi nhos rotadores parecem ser importante fonte de alimento para aquela espécie.
Outros mamíferos marinhos, como o golfinho pintado (Stenella attenuata) e a baleia jubarte (Megaptera nova eangliae) também são esporadicamente encontrados nas águas do arquipélago.
RAPHAEL M. MACIEIRA
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